segunda-feira, 9 de março de 2009

Simetria, Reversibilidade e Reflexividade

A antropologia tal como a conhecemos assenta sobre três polaridades conceituais que poderíamos chamar condicionantes ou congênitas: as oposições entre Primitivo e Civilizado, Indivíduo e Sociedade, e Natureza e Cultura. Virtualmente todos os debates teóricos e distinções escolásticas importantes do século passado giraram em torno do peso relativo de cada um dos pólos dessas três dualidades na definição do objeto próprio da disciplina. Nos últimos anos do século, entretanto, tais polaridades foram o alvo de uma crítica cerrada e entraram em crise terminal. Hoje, elas não mais definem o horizonte da disciplina. Com isso, finda uma fase histórica das ciências humanas.

Além dessas dicotomias, a antropologia freqüentemente se assentou também sobre uma forte e obsessiva procura da ordem. A análise social era uma tentativa de enquadrar pessoalidades em pessoas, socialidades em sociedades, era integrado. A lei, a estrutura, o fucionamento e a moralidade permitiram à antropologia moderna entender alguns aspectos da vida social, mas agora o resultado analítico vinculado a olhares ancorados de modo rígido em conceitos totalizadores e sistematizadores aparece como deficitário. Essa rigidez aparece - cada vez mais - como mero reflexo da moralidade, lei e sistema político do Ocidente, ou melhor, como reflexo de um Ocidente baseado mais no contrato, no pai, e na regra, do que na imanência das variações e na multiplicidade da experiência. Esse novo olhar, assim, não é uma proposta para a antropologia de tentar entender agora os povos, ou diversas situações, como um pastiche desconexo (não seria isso o correlato pós-modernista ocidental do reflexo feito pela antropologia moderna sobre seu objeto?). Um novo olhar, talvez, é a proposta de uma análise que não tenha apoio único e definitivo no momento da lei, da ordem e do controle estatal, social ou cultural.


Trata-se hoje, pois, de tentar responder à seguinte questão: em um terreno histórico e teórico onde se torna cada vez menos pertinente a distinção entre Primitivo e Civilizado (ou Eles e Nós, “observado” e ”observador”), Indivíduo e Sociedade (ou Parte e Todo, “micro” e “macro”) e Natureza e Cultura (ou Uno e Múltiplo, “realidade” e “representação”), que relevância continua a ter a idéia tradicional de “antropologia social” ou “cultural”? Para além disso, que relevância pode ter a idéia mesma de antropologia, uma vez que tanto o anthropos - enquanto totalidade transcendental - quanto o logos - enquanto prática de conhecimento supostamente privilegiada - estão sob suspeita? É preciso que nos decidamos de uma vez por todas a ir além dessa disciplina, ou bastará livar-nos simplesmente dos adjetivos que a caracterizam? As respostas - esta é a nossa aposta - implicam a elaboração de uma linguagem conceitual alternativa, centrada nas idéias de rede (que dissolve a distinção entre parte e todo), multiplicidade (que desloca o dilema da unidade e da pluralidade), e simetria ou simetrização (que extrai todas as conseqüências da falência do contraste entre primitivo e civilizado).

* Ressalte-se que, de fato, a idéia de simetrização talvez seja preferível à de simetria. Simetrização indica uma prática, em oposição à simetria (latouriana, mas não apenas), que pode trair um a priori conceitual fundado na idéia de um cancelamento progressivo das diferenças, quando na verdade se trata de exponenciar as diferenças, torná-las intensivas e ondulatórias.


A elaboração de tal linguagem alternativa não é tarefa fácil, nem consensual. Pois as transformações radicais ocorridas no campo da antropologia “sociocultural” ao longo das três últimas décadas parecem ter se refletido muito mediocremente em seu ensino e em suas formas institucionais de organização e divulgação. Em relação ao primeiro ponto, Tim Ingold já observava, desde 1996, (“Preface” a Key debates in anthropology, p. IX), que parece haver “uma distância cada vez maior entre a antropologia tal qual é praticada e o modo pelo qual a disciplina é publicamente apresentada e ensinada aos estudantes. Por que supor que todos os grandes debates (...) tiveram lugar no mais distante passado?”. Diagnóstico que é provavelmente verdadeiro para muitas das outras disciplinas que ocupam esse vago campo denominado ciências humanas. E que, por outras e consabidas razões, é ainda mais provavelmente verdadeiro no que concerne ao ensino da antropologia (e demais ciências humanas) no Brasil. (...)

LEIA MAIS EM : http://abaete.wikia.com/wiki/Simetria%2C_Reversibilidade_e_Reflexividade

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